É muito fácil existirem problemas de comunicação entre técnicos de saúde e utentes, quanto mais não seja porque, sobretudo em consultas e outras intervenções, as agendas são diferentes. Senão, vejamos:
- Para os técnicos de saúde a agenda é: Quais são os sintomas? Que doença é esta? O que mostra o exame clínico? Qual é o diagnóstico? Que exames é necessário fazer? Quais são os resultados dos exames? Que medidas terapêuticas são necessárias? Que medidas de reabilitação são necessárias?
- Para os utentes a agenda é: Porquê eu? Porquê agora? Qual a causa disto? O que é que me pode acontecer? O que é que os técnicos vão fazer comigo? O que é que isto significa para a minha vida, família e trabalho?
Vê-se perfeitamente que, com estas agendas tão diferentes, para o utilizador dum serviço de saúde, quer esteja numa consulta quer a realizar um exame de imagem ou outro, é muito fácil existirem dificuldades de comunicação entre técnicos e utentes, que tendem a ser ainda mais facilitadas sempre que em simultâneo houver: longas esperas e consultas ou intervenções rápidas; entrevistas centradas mais nos técnicos do que nos utentes; ansiedade por parte do utente e atribuição de valor escasso à comunicação com o utente.
As consequências dos problemas de comunicação na relação entre os técnicos de saúde e os utentes podem ser variadas:
- Insatisfação dos utentes com a qualidade dos cuidados de saúde
- Erros de avaliação, porque não se identificam queixas relacionadas com crises pessoais, dificuldades de adaptação e/ou psico-patologia e se focaliza-se no primeiro problema apresentado, que nem sempre é o mais importante
- Comportamentos de adesão mais insatisfatórios
- Mais dificuldades no confronto e adaptação à doença por não saber o que fazer (incerteza), ter recebido informação contraditória (ambiguidade) ou até por se sentir incompreendido
- Comportamentos inadequados de procura de cuidados, quer procura excessiva e/ou recorrente dos serviços de saúde quer procura alternativa.
Particularmente, as dificuldades relacionadas com a transmissão de informação e com atitudes inadequadas dos técnicos em relação à comunicação podem resultar em comportamentos de adesão insatisfatórios em relação a adopção de comportamentos saudáveis, realização de exames de rastreio e de diagnóstico, tratamentos medicamentosos, desenvolvimento de auto-cuidados, realização de outras consultas e adesão a medidas de reabilitação. O utente não compreendeu o que é necessário fazer, não se recorda do que foi dito, não teve possibilidade de fazer perguntas ou não acredita que valha a pena seguir as recomendações dos técnicos... Seja como for, podem ser consequências gravosas para o bem-estar dos utentes e dos técnicos de saúde e podem ter custos económicos para os indivíduos e para a comunidade.
A melhoria dos processos de comunicação que ocorrem na relação entre os técnicos de saúde e os utentes exigem uma intervenção dupla sobre os técnicos de saúde e sobre os utentes com a finalidade de desenvolver as suas competências de comunicação.
Há necessidade de desenvolver as competências comunicacionais dos técnicos de saúde, principalmente porque a formação universitária dos técnicos de saúde assenta predominantemente nos aspectos biomédicos, técnicos e assistenciais e tende a negligenciar aspectos centrais como a comunicação em saúde, essencial também na humanização dos serviços. Assim, é desejável aumentar as oportunidades de formação relacionada com competências de comunicação, quer na formação académica, quer na formação pós-graduada e profissional dos técnicos de saúde, nomeadamente no que se refere a:
- Competências básicas de comunicação, tais como escuta activa, perguntas abertas e técnicas facilitadoras
- Treino assertivo
- Resolução de conflitos e negociação
- Como transmitir más notícias
- Como transmitir informação sobre medidas preventivas, exames, tratamentos e autocuidados, enfatizando mais os comportamentos desejáveis do que os factos técnicos
- Como transmitir informação de saúde escrita
- Elaboração de guidelines.
Os técnicos de saúde devem tornar-se cada vez melhores comunicadores e melhores utilizadores das tecnologias de informação. Importa desenvolver acções destinadas a promover competências de comunicação e mais empowerment nos utentes, quer nos serviços de saúde quer na comunidade, para que os utentes se tornem mais pro-activos na procura de informação sobre saúde. Nos serviços de saúde trata-se de aumentar o seu nível de participação, ajudar a identificar as preocupações, incentivar a fazer, antes da consulta, exames ou tratamentos, uma lista do que querem falar ou perguntar, assegurar que consegue fazer as perguntas que quer fazer.
Na comunidade trata-se de contribuir para o desenvolvimento da literacia de saúde, através de actividades nas escolas, locais de trabalho, grupos comunitários e, ainda, de aumentar o acesso à Internet, o que é essencial para aumentar a acessibilidade à informação de saúde, bem como o contacto com técnicos e serviços de saúde.
A qualidade da comunicação entre os técnicos de saúde e os utentes está relacionada com maior consciencialização dos riscos e motivação para a mudança de comportamentos, facilitação de escolhas complexas em saúde e nas doenças, adaptação à doença e qualidade de vida, comportamentos de adesão e comportamento de procura de cuidados. Ou seja, tem influência sobre o estado de saúde e a utilização dos serviços. Assim:
- Compreender a informação sobre saúde e doenças é um direito de todos nós
- Melhorar a comunicação em saúde é um imperativo ético para os técnicos de saúde e, ao mesmo tempo, é uma responsabilidade de todos.
TEIXEIRA, José A. Carvalho. Comunicação em saúde: Relação Técnicos de Saúde - Utentes. Aná. Psicológica, set. 2004, vol.22, no.3, p.615-620. ISSN 0870-8231.
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